quarta-feira, 31 de agosto de 2011

O Fator Deus

Algures na Índia. Uma fila de peças de artilharia em posição. Atado à boca de cada uma delas há um homem. No primeiro plano da fotografia um oficial britânico ergue a espada e vai dar ordem de fogo. Não dispomos de imagens do efeito dos disparos, mas até a mais obtusa das imaginações poderá “ver” cabeças e troncos dispersos pelo campo de tiro, restos sanguinolentos, vísceras, membros amputados. Os homens eram rebeldes. Algures em Angola. Dois soldados portugueses levantam pelos braços um negro que talvez não esteja morto, outro soldado empunha um machete e prepara-se para lhe separar a cabeça do corpo. Esta é a primeira fotografia. Na segunda, desta vez há uma segunda fotografia, a cabeça já foi cortada, está espetada num pau, e os soldados riem. O negro era um guerrilheiro. Algures em Israel. Enquanto alguns soldados israelitas imobilizam um palestino, outro militar parte-lhe à martelada os ossos da mão direita. O palestino tinha atirado pedras. Estados Unidos da América do Norte, cidade de Nova York. Dois aviões comerciais norte-americanos, sequestrados por terroristas relacionados com o integrismo islâmico lançam-se contra as torres do World Trade Center e deitam-nas abaixo. Pelo mesmo processo um terceiro avião causa danos enormes no edifício do Pentágono, sede do poder bélico dos States. Os mortos, soterrados nos escombros, reduzidos a migalhas, volatilizados, contam-se por milhares.

As fotografias da Índia, de Angola e de Israel atiram-nos com o horror à cara, as vítimas são-nos mostradas no próprio instante da tortura, da agônica expectativa, da morte ignóbil. Em Nova York tudo pareceu irreal ao princípio, episódio repetido e sem novidade de mais uma catástrofe cinematográfica, realmente empolgante pelo grau de ilusão conseguido pelo engenheiro de efeitos especiais, mais limpo de estertores, de jorros de sangue, de carnes esmagadas, de ossos triturados, de merda. O horror, agachado como um animal imundo, esperou que saíssemos da estupefação para nos saltar à garganta. O horror disse pela primeira vez “aqui estou” quando aquelas pessoas saltaram para o vazio como se tivessem acabado de escolher uma morte que fosse sua. Agora o horror aparecerá a cada instante ao remover-se uma pedra, um pedaço de parede, uma chapa de alumínio retorcida, e será uma cabeça irreconhecível, um braço, uma perna, um abdômen desfeito, um tórax espalmado. Mas até mesmo isto é repetitivo e monótono, de certo modo já conhecido pelas imagens que nos chegaram daquele Ruanda-de-um-milhão-de-mortos, daquele Vietnã cozido a napalme, daquelas execuções em estádios cheios de gente, daqueles linchamentos e espancamentos daqueles soldados iraquianos sepultados vivos debaixo de toneladas de areia, daquelas bombas atômicas que arrasaram e calcinaram Hiroshima e Nagasaki, daqueles crematórios nazistas a vomitar cinzas, daqueles caminhões a despejar cadáveres como se de lixo se tratasse. De algo sempre haveremos de morrer, mas já se perdeu a conta aos seres humanos mortos das piores maneiras que seres humanos foram capazes de inventar. Uma delas, a mais criminosa, a mais absurda, a que mais ofende a simples razão, é aquela que, desde o princípio dos tempos e das civilizações, tem mandado matar em nome de Deus. Já foi dito que as religiões, todas elas, sem exceção, nunca serviram para aproximar e congraçar os homens, que, pelo contrário, foram e continuam a ser causa de sofrimentos inenarráveis, de morticínios, de monstruosas violências físicas e espirituais que constituem um dos mais tenebrosos capítulos da miserável história humana. Ao menos em sinal de respeito pela vida, devíamos ter a coragem de proclamar em todas as circunstâncias esta verdade evidente e demonstrável, mas a maioria dos crentes de qualquer religião não só fingem ignorá-lo, como se levantam iracundos e intolerantes contra aqueles para quem Deus não é mais que um nome, o nome que, por medo de morrer, lhe pusemos um dia e que viria a travar-nos o passo para uma humanização real. Em troca prometeram-nos paraísos e ameaçaram-nos com infernos, tão falsos uns como os outros, insultos descarados a uma inteligência e a um sentido comum que tanto trabalho nos deram a criar. Disse Nietzsche que tudo seria permitido se Deus não existisse, e eu respondo que precisamente por causa e em nome de Deus é que se tem permitido e justificado tudo, principalmente o pior, principalmente o mais horrendo e cruel. Durante séculos a Inquisição foi, ela também, como hoje os talebanes, uma organização terrorista que se dedicou a interpretar perversamente textos sagrados que deveriam merecer o respeito de quem neles dizia crer, um monstruoso conúbio pactuado entre a religião e o Estado contra a liberdade de consciência e contra o mais humano dos direitos: o direito a dizer não, o direito à heresia, o direito a escolher outra coisa, que isso só a palavra heresia significa.

E, contudo, Deus está inocente. Inocente como algo que não existe, que não existiu nem existirá nunca, inocente de haver criado um universo inteiro para colocar nele seres capazes de cometer os maiores crimes para logo virem justificar-se dizendo que são celebrações do seu poder e da sua glória, enquanto os mortos se vão acumulando, estes das torres gêmeas de Nova York, e todos os outros que, em nome de um Deus tornado assassino pela vontade e pela ação dos homens, cobriram e teimam em cobrir de terror e sangue as páginas da história. Os deuses, acho eu, só existem no cérebro humano, prosperam ou definham dentro do mesmo universo que os inventou, mas o “fator deus”, esse, está presente na vida como se efetivamente fosse o dono e o senhor dela. Não é um Deus, mas o “fator Deus” o que se exibe nas notas de dólar e se mostra nos cartazes que pedem para a América (a dos Estados Unidos, e não a outra…) a bênção divina. E foi no “fator Deus” em que o Deus islâmico se transformou, que atirou contra as torres do World Trade Center os aviões da revolta contra os desprezos e da vingança contra as humilhações. Dir-se-á que um Deus andou a semear ventos e que outro Deus responde agora com tempestades. É possível, é mesmo certo. Mas não foram eles, pobres Deuses sem culpa, foi o “fator Deus”, esse que é terrivelmente igual em todos os seres humanos onde quer que estejam e seja qual for a religião que professem, esse que tem intoxicado o pensamento e aberto as portas às intolerâncias mais sórdidas, esse que não respeita senão aquilo em que manda crer, esse que depois de presumir ter feito da besta um homem acabou por fazer do homem uma besta.

Ao leitor crente (de qualquer crença…) que tenha conseguido suportar a repugnância que estas palavras provavelmente lhe inspiraram, não peço que se passe ao ateísmo de quem as escreveu. Simplesmente lhe rogo que compreenda, pelo sentimento de não poder ser pela razão, que, se há Deus, há só um Deus, e que, na sua relação com ele, o que menos importa é o nome que lhe ensinaram a dar. E que desconfie do “fator Deus”. Não faltam ao espírito humano inimigos, mas esse é um dos mais pertinazes e corrosivos. Como ficou demonstrado e desgraçadamente continuará a demonstrar-se.


Autor: José Saramago

Fonte: Ateus.net que pegou da Folha de São Paulo, 19/09/2001

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

VALORES

Creio que ver o mundo só da subjetividade do meu coração seria apenas uma heresia contra a minha racionalidade, no entanto, combinando as duas, eu tento fazer um interpretação de toda a realidade ao meu redor, mais verdadeiramente possível.
Não seria errôneo dizer que todos nós, nos escondemos atrás de mascarás, que seguimos, dia após dia, rejeitando nossas vontades mais intimas, vivendo em um eterno enjaulamento das nossas verdadeiras faces, verdadeiras vontades. E por mais que tentamos ser tão verdadeiro com as outras pessoas, acabamos não sendo... Será que é mesmo? Penso que a maioria dos indivíduos, não. Eles tendem a se mascarar, todos os dias em busca de aceitação, acho que isso não passa de uma solução em curto prazo, ao final conhecemos as verdadeiras faces com o tempo e observação. Proponho aqui fazer uma reflexão, sobre estas questões, de uma maneira muito simples e descompromissada (logicamente colocando questões sobre nosso comportamento, comparando com o comportamento no anarquismo.).
“Querer o meu não é roubar o seu” essa frase dita por Raul Seixas na música Novo Aeon, não sossega meus ouvidos ao martelar, sempre quando ouço alguém falando na desordem na anarquia, que para o meu entendimento isso é uma inverdade absurda. Vejo que as pessoas tendem a pensar que há bagunça degenerada, o caos, a desordem, etc. Surgem por um simples motivo da vontade, não sabendo que buscar as suas vontades pode ser de uma maneira totalmente organizada e respeitosa com o próximo, não precisando assim desrespeitar o próximo. Não seria isso a Anarquia? Ordem e Respeito?
Vivemos em um sistema capitalista, onde os interesses individuais são aflorados desde a nossa infância. Interiorização de valores, que se formos pensar nos desconectando das nossas realidades, podemos perceber que esse tipo de conduta é um absurdo no seio de uma sociedade. Pois, sociedade não seria um corpo social, um grupo de indivíduos, uma reunião de pessoas? Então por que vemos numa sociedade, onde exaltamos, admiramos as pessoas que ascendem de nível social? Nós seres humanos não precisamos viver em competição com as outras espécies nem com a nossa. Precisamos romper com nossos valores, que acabam nos prendendo e nos tornando sozinhos em meio a uma multidão. “O mal do século é a solidão”
Compreendemos que o rompimento com nossos valores, não seria uma libertação descontrolada de nossas vontades, porém uma aceitação das mesmas, e comprimento sem nenhum remorso ou culpa. Nossa ética, nossa moral, que nos censura a cada pensamento acabam nos tornando um corpo cheio de vontades renegadas, e quando as mesmas tendem a sair, acabam saindo demasiadamente, como um esporro no ar… é como a pressão que a água faz ao exercer sobre o cano, e na primeira brecha, acaba jorrando de uma maneira violenta, diferente da água que escorre em uma superfície plana, que avança calmamente a cada centímetro. Assim são nossas vontades inconscientes, nossos desejos mais profundos. Devemos aprender a nos libertar, entender-los e aceita-los para que possamos usufruir sem nenhum remorso.
Assim como aprendi a amar, a respeitar, e mesmo assim garantir a minha individualidade, creio que esses elementos possam se tornar valores para toda uma geração. Acredito que os únicos valores válidos são aqueles que mantêm uma igualdade entre as pessoas, mesmo que as mesmas não tenham nenhum vinculo, ou até mesmo interesses em comum.




Texto copiado do blog do amigo/irmão/companheiro Gutto Gt: EM DEFESA DE CAIM

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

EXCLUSOS & LOS ZINICOS (SPLIT CD 2011)


Depois de muita espera e expectativa é com muito prazer que agora apresentamos a vocês o split da Exclusos, Bahia, Brasil e Los Zinicos, São José, Costa Rica.
São 3 músicas de um punk rock dançante da Los Zinicos e 3 músicas furiosas com dois vocais da Exclusos... Este material acabou de sair do forno.

Saúde e Anarquia!

Faça o download clicando AQUI!

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

CARTA CONTRA A VIOLÊNCIA POLICIAL EM CACHOEIRA-BA


Sábado, 13 de agosto, noite de início da Festa da Boa Morte, festividade que atrai muitos visitantes à cidade, a comunidade se reuniu em torno de um movimento cultural. A Praça 25 de junho agrupava na mais recente edição do Reggae na Escadaria – no centro de Cachoeira/BA – um grande número de pessoas (Famílias, crianças, estudantes, idosos), onde por diversas vezes a viatura da polícia de número 9 2702 placa NTD 8384 passou vagarosamente observando de forma ameaçadora alguns espectadores, dando um prazo limite para que o som fosse desligado.
Por volta das 2 horas da manhã, quando o trânsito foi parado por uma colisão de carros, a viatura que passava no momento parou e os policias desceram, solicitando que o som fosse interrompido. Alegaram que muitas pessoas se reuniam no local atrapalhando o trânsito na via e também alegaram que os organizadores do evento não tinham autorização para realizar aquela atividade.
Os presentes sentiram-se indignados, manifestando-se através de vaias e frases de protesto, pois ao mesmo tempo inúmeros carros tocavam outros tipos de som em volume altíssimo.
Os policias reagiram de forma agressiva e opressora. A PM Ednice iniciou a agressão contra um espectador que estava acompanhado por sua esposa e filho, o que causou ainda mais revolta entre os cidadãos. Os policias pararam a viatura ao lado da praça e permaneceram em formação fora do veículo. Uma parte dos policiais estava sem identificação. A residente Flávia Pedroso Silva se aproximou dos soldados e perguntou os nomes dos agentes que participavam da atuação. O que é direito de todo cidadão resultou numa ação ainda mais agressiva. Dois policiais homens a seguraram pelo braço dando voz de prisão por “desacato à autoridade”. A vítima alegou irregularidade na atuação, pois sabido é que um policial homem não pode autuar mulheres. Os presentes reagiram e tiraram a menina da mão dos policias, que agrediram muitos dos presentes com empurrões quando o PM Elias atirou para cima ameaçando as pessoas que estavam próximas.
Pouco tempo depois chegaram mais duas viaturas e vários soldados que partiram para cima da estudante agredindo a ela e Glauber Elias, também negro e estudante da UFRB.
No caso da estudante Flávia, o mais grave em nosso entendimento, os agressores usaram de violência física e psicológica, utilizando palavras de baixo calão, como vadia, puta e vaca. Mostraram também todo o preconceito em relação às tatuagens no corpo da estudante, usando disso para fazerem mais ameaças tais como “você que gosta de marcas vamos deixar mais marcas em seu corpo”.
A garota foi colocada dentro do camburão, juntamente outro estudante presente, Luis Gabriel, que também questionou a ação dos policiais. Os mesmos soldados continuaram ameaçando outras pessoas, perguntando de forma sarcástica quem mais queria ser detido.
Ambos foram levados para o Posto Policial Militar do 2º Pelotão da 27ª CIPM - CPR LESTE, localizado na Rua Direta do Capoeiruçu/ Cachoeira. No local a garota foi agredida com tapas no rosto e agressões verbais em frente ao funcionário que registrava a ocorrência, e que ao ser solicitado o registro de tal agressão o mesmo declarou que não havia visto nada. Enquanto isso, do lado de fora da delegacia, testemunhas que estavam no momento da agressão permaneceram sob tensão com os policiais. A advogada que acompanhou todo o caso permaneceu pelo menos 30 minutos em frente a delegacia sendo impedida de entrar.
A vítima, ao expressar sua vontade de abrir ocorrência contra a violência e o abuso de autoridade, foi informada que não poderia fazê-lo pois, no local, não havia delegado e nem escrivão. Assim sendo, os envolvidos foram encaminhados para a DEPIN – 3ª Coordenadoria Regional de Polícia do Interior – Delegacia Circunscricional de Policia de Santo Amaro – BA. Mesmo com a alegação da advogada de que seus clientes não poderiam ser transportados na parte traseira da viatura e que ela deveria acompanhá-los, os policias os colocaram no camburão e seguiram dizendo que não esperariam ninguém. Ao chegar em Santo Amaro, as vítimas nada puderam fazer, pois os policiais que receberam o caso disseram que não havia tinta na impressora para registrar a ocorrência da mesma e que esta voltasse num outro momento, atrasando desta forma todo o processo e a possibilidade de se fazer um exame de corpo de delito. Após uma espera ambos foram liberados e convocados para depoimento no dia 15 de agosto, às 10 horas. Vale ressaltar que mesmo com a alegação de não haver tinta na impressora, os policiais agressores registraram a ocorrência de desacato à autoridade.
Como podemos perceber, inúmeras irregularidades ocorreram no procedimento da abordagem policial. Desde o aparente desrespeito por parte destes policiais ao estilo musical Reggae, às reações de extrema violência da polícia para com a população, até os atos de violência ao longo do processo.
Enfatizamos a repressão ao reggae como demonstração de racismo da polícia cachoeirana, lembrando que a maior parte das pessoas que compunham o grupo local eram homens e mulheres negras. Também o tratamento contra a Flávia, desde as agressões físicas cometidas por policias do sexo masculino até os obstáculos postos diante da tentativa de prosseguir com a denúncia contra as ações destes policiais, tanto que até o presente momento ainda não foi possível o registro legal do caso, sendo que há apenas o processo da polícia contra os envolvidos.
Denunciamos assim a opressão explícita, ao saber que este não é o único e nem o primeiro caso de abuso e violência gratuita da polícia militar contra os cidadãos cachoeiranos, e exigimos desta forma providências do Estado contra os crimes praticados de violência policial, abuso de poder e violência do estado contra a população negra, a qual resultou na prisão irregular dos estudantes negros Flávia e Gabriel, configurando crime de racismo institucional.

Núcleo de Negras e Negros Estudantes da UFRB (NNNE)

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

A FALTA QUE A CONSCIENTIZAÇÃO FAZ - Caroline de Freitas Caiana

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A FALTA QUE A CONSCIENTIZAÇÃO FAZ - Caroline de Freitas Caiana

Eles julgam e atiram as quatro pedras
Dizem ser a favor do amor
Mas não o deixam amar
Falam que ele precisa se tratar

E com essa desordem afirmam que é uma doença
E nada cura nem a crença
E o mal do mundo se expandia
Eles aprovavam a homofobia

E a vida os chamam para a realidade
Respeito faz parte da diversidade
A falta que a conscientização faz
O homem ser injusto com a paz

E então ele se reprime
Pois não lembra que preconceito é crime
Se fecha em um mundo particular
E tem medo de amar

A Igreja diz que é pecado
Mas passa o recado “amais uns aos outros”
E assim tentando deixar sua cabeça erguida ele enfrenta
Amigos, família, Igrejas e Estado
Que não permitem ele ter um namorado.