segunda-feira, 15 de março de 2010


“As coisas não têm paz”, diz um poema do Antunes. Não têm e não haveria uma maneira de ter. A paz é uma fantasia humana e não das coisas. Quando uma promessa de paz nos chega em forma de calmaria discreta, duma brisa quase imperceptível e incapaz de mover uma mecha, logo gritamos: “pasmaceira!” Quando ela mostra em gestos suaves, numa lentidão discreta e pausada, abrindo espaço para a uma ausência de conflitos, bocejamos reclamamos: “rotina chata”! Então, quando proclamamos “queremos paz!”, é apenas um manifesto nulo para esconder que no intimo, é a ausência de paz, o que de fato desejamos.
A paz tem por hábito fazer a sesta como o cansado de dias que olhando para um horizonte sem nuvens tenta não se lembrar mais dos anos de luta. A paz se move lentamente comendo plantas rasteiras em Galápagos! A paz não tem pernas de centro-avante. A paz não pesa e como também não tesa, não comicha, nem faz brotar prurido. A paz não é vermelha e nem branca. A paz espera e não cansa! Não oferece aderência para ventosas tóxicas de quem não quer paz. E ninguém em verdade quer paz!
Dentro de cada um de nós Ares ergue a lança! No Peloponeso grita e inflama a tropa para retomar Esparta. Onde deveria haver um oásis, Hades forja a lamina, o afiado fio da insatisfação e da intolerância apressada. Não queremos paz, queremos uma grande asa incandescente. Se a paz morar no corpo, desesperadamente desejamos algum outro onde não há paz. Quando ela deita ao lado, não a reconhecemos. Não flertamos com a paz, não casamos com a paz, não queremos filhos com ela e até mesmo quando temos a sorte de não ter contra quem lutar, deixamos para trás o silêncio de estar em paz e nos voltamos ruidosamente contra nós mesmos, para travar nossa interminável guerra particular.

Gil Rosza

Blog Letra em Pó

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