Há pouco tempo atrás, recolhendo material para um 'varal da contra-cultura' punk que eu quero montar, ganhei de Nal (Escato e Rancor) uma caixa de zines... Depois de organizar eles por tipo, comecei a ler. Há vários textos muito legais que eu postarei aqui. E pra começar vou postar um texto que gostei muito e que me deu vontade de continuar a escrever... O texto tem o título "Em defesa da palavra" e mostra o porque que as pessoas escrevem, o prazer por escrever e por ler... Espero que gostem.
E, até que enfim, agora haverá atualizações com mais frequência.
Nas longas noites de insônia e nos dias de desânimo, aparece uma mosca que dica zumbindo dentro da cabeça da gente: “Vale a pena escrever? Será que as palavras sobreviverão em meio aos adeuses e aos crimes? Tem sentido este ofício que a gente escolheu – ou pelo qual a gente foi escolhido?”
As pessoas escrevem a partir da necessidade de comunicação e comunhão com os outros, para denunciar aquilo que machuca e compartilhar o que traz alegria. As pessoas escrevem contra sua própria solidão e solidão dos demais porque supõe que a literatura transmite conhecimentos, age sobre a linguagem e a conduta de quem recebe, e nos ajuda a nos conhecermos melhor, para nos salvarmos juntos. Em realidade, a gente escreve para as pessoas com cuja sorte ou má sorte se sente identificado: os que comem mal, os que dormem pouco, os rebeldes e humilhados desta terra; que em geral nem sabem ler. Dentre a minoria alfabetizada, quantos dispõe de dinheiro para comprar livros?
Que bela tarefa de anunciar o mundo dos justos e dos livres! Que função mais digna esta de dizer não ao sistema da fome e das cadeias – visíveis ou invisíveis! Mas os limites estão a quantos metros de nós? Até onde os donos do poder nos dão permissão de ir?
A gente escreve para despistar a morte e destruir os fantasmas que nos atingem por dentro; mas aquilo que a gente escreve só pode ser útil quando coincide de alguma maneira com a necessidade coletiva de conquista de identidade. Ao dizer “sou assim” e assim me oferecer, acho que eu gostaria de, como escritor, poder ajudar muitas pessoas tomar consciência do que são. Enquanto instrumento de revelação da identidade coletiva, a arte deveria ser considerada matéria de primeira necessidade e não artigo de luxo. Entretanto, na América Latina, o acesso aos produtos de arte e cultura está vedado a maioria das pessoas.
A obra nasce da consciência ferida do escritor e se projeta ao mundo. Então, o ato de criação é um ato de solidariedade.
Acredito no meu ofício; creio no meu instrumento. Nunca pude entender porque escrevem estes escritores que vivem dizendo, tão cheio de si, que escrever não tem sentido num mundo onde as pessoas morrem de fome. Também jamais consegui entender os que convertem a palavra em alvo de fúrias ou um objeto de fetichismo. A palavra é uma arma que pode ser bem ou mal usada: a culpa do crime nunca é da faca.
Creio que uma função primordial da literatura latino-americana atual consiste em resgatar a palavra, que foi usada e abusada com impunidade e freqüência, para impedir ou atraiçoar a comunicação. “Liberdade é, no meu país, o nome de uma cadeira para presos políticos; chama-se “Democracia” a vários regimes de terror; a palavra “Amor” define a relação do homem com seu automóvel; por “Revolução” se entende aquilo que um novo detergente pode fazer em sua cozinha; “Glória” é o que um sabonete de certa marca produz; “Felicidade” é a sensação que se tem ao comer salsichas; “País em paz” significa, em muitos lugares da América Latina, “Cemitério em ordem”; e onde se diz “homem são” deveria se ler muitas vezes “Homem impotente”.
Ao se escrever, é possível oferecer o testemunho de nosso tempo e de nossa gente, para agora e para depois, apesar da perseguição e da censura. Pode-se escrever como que dizendo, de certa maneira: “Estamos aqui, aqui estivemos; somos assim, assim fomos”. Na América Latina, lentamente vai tomando força uma literatura que não ajuda os demais a dormir; antes, tira-lhes o sono; que não se propõe a enterrar nossos mortos; antes, quer perpetuá-los; que se nega a limpar as cinzas mas, em troca, procura acender o fogo.
Essa literatura continua e enriquece uma formidável tradição de palavras que lutam. Se é melhor – como cremos – a esperança à nostalgia, talvez essa literatura nascente possa chegar a merecer a beleza das forças sociais que mudarão radicalmente o curso de nossa história – mais cedo ou mais tarde, por bem ou por mal. E quem sabe ajude a guardar, para os jovens que virão, “o verdadeiro nome de cada coisa” – como dizia o poeta.
Eduardo Galeano
Tirado do Informativo NOVA HUMANIDADE do Coletivo Ascaso, Ano I, número 1, Junho de 1999.
Beijos e abraços livres a tod@s.
Espero que tenham gostado.
quarta-feira, 8 de setembro de 2010
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Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirEsse texto é só mais um tesouro que precisa ser mais divulgado, pra enriquecer mentes de todo o mundo.Parabens pra quem escreveu e pra quem divulgou e pra todos aqueles que leram e ainda vão ler. Vale a pena !
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